domingo, 27 de março de 2016

Quando a Escola deixar de ser uma fábrica de alunos - autora Catarina Fernandes Martins (fonte: internet)


Recentemente, lendo posts no meu Facebook, deparei-me com este artigo e resolvi publicá-lo no blog, pois concordo com todas as questões levantadas para se repensar as escolas e a forma de ministrar aulas. Acredito ser de interesse de todos os pedagogos.

A autora, Catarina Fernandes Martins, é uma jornalista freelancer portuguesa que já fez reportagens em vários países. Estudou na Universidade Nova de Lisboa, segundo informações extraídas de sua página no Linkedin. Algumas palavras do texto foram transcritas para a grafia do português do Brasil.


Quando a escola deixar de ser uma fábrica de alunos
autora: CATARINA FERNANDES MARTINS
 Fonte: http://www.publico.pt/temas/jornal/quando-a-escola-deixar-de-ser-uma-fabrica-de-alunos-27008265

A escola de massas, onde um professor ensina ao mesmo tempo e no mesmo lugar dezenas de alunos, nasceu com a revolução industrial mas chegou ao século XXI. Em dois séculos, mudaram os estudantes, mudou a sociedade e mudou o mercado de trabalho. Quando mudará a escola?

A escola do ano 2000 imaginada e retratada pelos ilustradores franceses Jean Marc CotÍ e Villemard em 1899 , num postal que era parte de uma série produzida para a Exposição Universal de Paris, em 1900:
Crianças sentadas em fila, olhando para a frente. Mãos cruzadas em cima da mesa, numa postura inerte. A secretária do professor fica no extremo esquerdo da sala de aula. Não está a ensinar. Os alunos têm uns capacetes de metal, ligados por uns cabos elétricos a uma máquina onde o professor coloca uns livros. A função desse aparelho, compreende-se pela imagem, é a de extrair a informação dos manuais e introduzi-la diretamente nos cérebros dos jovens, através da transmissão da energia elétrica. A gravura é de 1899 e foi utilizada por João Barroso, especialista em políticas de educação e formação da Universidade de Lisboa, num trabalho que terá sido apresentado em São Paulo, ontem, intitulado A Escola e o Futuro: As Mudanças Começam na Sala de Aula.
A escola do ano 2000 é imaginada, no final do século XIX, como um prolongamento da escola então existente. Cotê e Villemard não vislumbraram uma sala de aula com um funcionamento completamente diferente por causa da eletricidade. Em vez disso, desenharam a aula de 1899 - um local onde os jovens recebem, de forma passiva, o conhecimento que lhes é transmitido pelo professor - e acrescentaram-lhe uma nova tecnologia, que lhes permitiria, simplesmente, ter a mesma informação, embora com a recepção facilitada.
Vítor Teodoro, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, tem outra pintura - de uma sala de aula ainda mais antiga - na cabeça. O professor está num púlpito. Lá no alto, consegue ver todos os alunos, que se dispõem à sua frente, sentados por filas. Mas nem todos olham para ele. Uns conversam com os colegas do lado. Uns têm o olhar perdido noutra direção. Um deles dorme apoiado no braço. Vítor Teodoro está a pensar na iluminura pintada por Laurentius de Voltolina no século XIV, que retrata Henrique da Alemanha a dar uma aula na Universidade de Bolonha, mas que, de acordo com o professor, podia retratar uma sala de aula dos dias de hoje.
A educação que hoje conhecemos tem duas bases, explica o professor da FCT-UNL: a da religião e a do apprenticeship - a aprendizagem por integração numa comunidade, que vem da tradição dos ofícios e dos mestres. Para Vítor Teodoro, durante o século XX, predominou o modelo religioso. A escola adotou das igrejas o estrado e o púlpito e o professor, à semelhança do padre, começou a transmitir, expositivamente, a informação aos alunos, que a recebem de uma forma passiva. Ensina-se o grupo e não o indivíduo, o que, muitas vezes, leva a que alguns jovens não compreendam o que está a ser ensinado e percam o interesse: "Há 50 anos, as pessoas repetiam as orações em latim e não percebiam o que estavam a dizer. Hoje, acontece o mesmo com os alunos."
Há muito tempo que a escola se concentra em ensinar aos alunos as competências básicas da matemática, da escrita e da leitura. Agora, estas aprendizagens básicas já não são suficientes. No livro The global achievement gap, Tony Wagner, investigador de Inovação na Educação no Centro de Tecnologia e Empreendedorismo da Universidade de Harvard, descreve o que está a ser ensinado aos jovens nas escolas, por oposição ao que eles deveriam estar a aprender para triunfarem nas suas carreiras, numa economia global.
Wagner defende que a escola deve desenvolver sete "competências de sobrevivência" necessárias para que as crianças possam enfrentar os desafios futuros: pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas, colaboração, agilidade e adaptabilidade, iniciativa e empreendedorismo, boa comunicação oral e escrita, capacidade de aceder à informação e analisá-la e, por fim, curiosidade e imaginação.
Teresa Franco tem 15 anos e a partir de Setembro vai frequentar o 10.º ano no Liceu Rainha Dona Amélia, em Lisboa. Decidir-se por uma área de estudos foi complicado, diz: "Não tenho a certeza de nada porque não tenho experiência." Teresa fez um intenso trabalho de pesquisa e criou uma lista com os cursos que a interessavam: Psicologia, Serviço Social, Dança, Escultura, Pintura, Design de Ambientes, Design de Comunicação, Design de Moda, Fotografia, Ciências da Educação, Jornalismo... Áreas variadas e muitas delas relacionadas com a criatividade. Fez testes psicotécnicos e falou com profissionais de várias áreas para perceber com qual delas mais se identificava. Acabou por escolher o curso de Artes. Talvez um dia venha a ser designer.
Quem sabe se por causa das dificuldades que teve em decidir-se por um curso, Teresa defende que a escola deveria promover a interação com pessoas com experiência nas diferentes áreas profissionais. Defende que aquilo que faz mesmo falta na escola é uma componente mais prática. Sugere, por exemplo, que o horário da tarde fosse ocupado com workshops de fotografia, desporto, artes... Quanto ao ensino das disciplinas, deveriam ser incentivados outros métodos para além do "decorar, decorar, decorar". É por essa razão que muitos dos seus colegas "odeiam História": "Deviam encontrar uma forma que nos cativasse. Em vez de nos obrigarem a decorar, podiam contar-nos mesmo uma história - levar-nos a falar com historiadores ou pessoas que tivessem vivido um determinado acontecimento."
Até aos seis anos, frequentou uma escola inglesa, a English Preparatory School. Como explica a sua mãe, Cristina Rebocho, o ambiente era descontraído e a autoestima das crianças estimulada: "Ensinavam muito através da brincadeira." Os momentos de avaliação aconteciam de forma discreta. As crianças pensavam que estavam a fazer uma ficha de exercícios normal, quando, na verdade era um teste, e assim não ficavam tão nervosos. No ensino da língua - neste caso, do inglês - os erros ortográficos das primeiras composições não eram corrigidos. "Para que eles pudessem desenvolver a imaginação e a criatividade", explica Cristina Rebocho.
Teresa pensa que os anos que passou nesta escola lhe deram "estruturas sólidas". Também por causa dessa experiência, está convencida de que o ensino deveria ter uma base artística. Alguns colegas dizem-lhe que tinham jeito para as artes quando eram pequenos, mas como não tinham tempo foram-no perdendo. Para Teresa, é uma pena porque, diz, as artes "são muito úteis para que nos consigamos expressar e estar mais à vontade na relação com os outros. E são libertadoras".
A pedagogia tradicional da escola uniformizada está na base da criação da escola de massas a partir do século XIX e não sofreu alterações radicais desde então. Assenta na homogeneização dos alunos e na subordinação aos princípios da tragédia grega: unidade de espaço, de tempo e de ação - "Tudo se passa nos mesmos lugares, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Uma escola é uma coleção de salas de aula e o ensino é uma repetição de atividades pré-formatadas, iguais todos os anos", de acordo com João Barroso, da Universidade Nova Lisboa.
Os vídeos Khan
A revista Economist, num artigo da sua edição de 29 de Junho, Education technology, mostrava-se otimista relativamente à possibilidade de a Internet ser, por fim, capaz de fazer aquilo que a escola massificada nunca conseguiu - adequar-se às necessidades individuais de cada aluno. A revista britânica considera que os recursos online - desde os programas que monitorizam o desempenho dos alunos aos vídeos com exercícios - podem estar a transformar profundamente a educação.
Um dos exemplos referidos pela revista foi o da Khan Academy - um site que disponibiliza gratuitamente vídeos com explicações, criado pelo norte-americano Salman Khan. Os vídeos possibilitam a metodologia da "aula invertida" - em vez de assistirem à exposição do professor na sala e realizarem os exercícios em casa, os alunos assistem aos vídeos em casa e realizam os exercícios na sala de aula. Um exemplo, segundo a Economist, de como algumas inovações podem transformar a educação convencional.
Em Abril deste ano, a Fundação Portugal Telecom importou a ideia. Para Teresa Salema, responsável pela Academia Khan em Portugal, o futuro da educação pode passar por aqui.
A iniciativa surgiu devido à percepção de que "os alunos não estão bem preparados para enfrentar a sociedade da informação" e da necessidade de introduzir novos estilos de aprendizagem: "A sala de aula não muda há 300 anos, mas as crianças são diferentes", afirma à Revista 2.
Até ao início do próximo ano letivo, a PT espera ter disponíveis 400 vídeos de Matemática. Depois, e até 2014, deverão ser adaptados vídeos de Física, Química e Biologia. As explicações foram traduzidas do inglês e a adaptação aos conteúdos dos programas nacionais foram feitos com a ajuda da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). As prioridades situaram-se nas áreas mais científicas, onde os resultados escolares a nível nacional são mais negativos.
Como explica Teresa Salema, os vídeos da Academia Khan permitem que o professor se concentre "na orientação, na relação com os alunos e na tutoria individual, que constituem os papéis mais nobres da profissão". E acrescenta que a responsabilidade está, cada vez mais, do lado dos alunos, que têm de querer aprender: "O professor deve incentivar o aluno, mas este não pode ser passivo."
Vítor Teodoro, que já recorreu aos vídeos da Academia Khan e a outros semelhantes nas suas aulas, ressalva que, se a utilização destes instrumentos não for feita de forma adequada, podem ser "mais do mesmo", uma vez que foram "pensados para o modelo "missa"". "Quando projeto um vídeo, posso dizer: "Vejam e aprendam." Ou posso parar a apresentação e dizer: "O que é que isto quer dizer?" "Vamos transferir este esquema para o papel"." De acordo com João Barroso, transformações como a da "aula invertida" são "pequenas alterações cosméticas, que não tocam no essencial, que é a pedagogia".
Três futuros possíveis
Para João Barroso, os problemas e os desafios que se colocam à escola fazem parte de uma evolução histórica e há três futuros possíveis para o processo de escolarização: a hiperescolarização, a desescolarização e a refundação, todos eles potenciados pela utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
A tendência da hiperescolarização está relacionada com o reforço da escola homogênea. Neste caso, as novas tecnologias servem apenas, nas palavras de João Barroso, para fazer o upgrade daquilo que já está a ser realizado. "A sala de aula continua organizada da mesma maneira. O que eu vou melhorando são escolhas que já fazia. Isso não é mau. É o que os professores têm feito com o retroprojetor, com o vídeo... Pequenas transformações nas práticas docentes que têm permitido que se passasse da disposição frontal para a disposição de grupo e que os alunos façam trabalhos de grupo."
"Deviam encontrar uma forma que nos cativasse. Em vez de nos obrigarem a decorar, podiam contar-nos mesmo uma história - levar-nos a falar com historiadores ou pessoas que tivessem vivido um determinado acontecimento"  Teresa Franco, 15 anos, estudante

A defesa da desescolarização está associada à publicação, em 1971, dos livros The School is Dead, de Everett Reimer, e Deschooling Society, de Ivan Illich, onde se criticava a escola como instituição. Reimer considerava que a "salvação" da educação passava pelo fim da escola, tornando-se necessário devolver o acto de educar aos pais, à comunidade e à livre iniciativa. Illich, por sua vez, defendia que a educação universal por meio da escolaridade não era possível. Atualmente, este movimento da desescolarização foi recuperado pelos defensores do homeschooling (ensino doméstico), em que as famílias optam por educar os seus filhos em casa. Normalmente, o homeschooling está associado a perspectivas mais conservadoras, em que se defende o regresso à vida comunitária das famílias. Como explica João Barroso à Revista 2, "as empresas de software educativo têm vindo a apostar nesse público, fornecendo pacotes de programas educativos organizados em função dos vários anos de escolaridade para que os adultos em casa possam colocar os jovens em frente ao computador e aprender com esses programas".
A escola não está morta
João Barroso garante que "a escola não está morta, não desapareceu e será recuperada". Para o investigador, o futuro desejável é o da refundação: "Há uma necessidade de refundação da escola para que ela possa entrar na era digital, mas essa refundação não se faz unicamente com a tecnologia, faz-se também com a alteração das práticas pedagógicas, com a alteração do currículo e alterando o trabalho dos professores."
Esta refundação (o termo corresponde, também, à designação do programa aprovado este ano pela Assembleia da República francesa para preparar a escola para a era digital - La refondation de l"École) assemelha-se a um modelo com um século: o movimento pedagógico conhecido por Educação Nova, que se desenvolveu nos primeiros anos do século XX e que teve o seu impulso com a publicação do livro Transformemos a Escola, de Adolfo Ferrière. Este movimento pretendia assegurar uma educação à medida de cada aluno e caracteriza-se pela defesa do "desenvolvimento das competências individuais, da aprendizagem interativa, da escola criativa e ativa, apostando na autonomia do aluno", diz.
"Hoje, também é necessário transformar a escola de acordo com os mesmos princípios e em benefício de uma educação à medida de cada aluno, garantindo a equidade, a igualdade de oportunidades e a inclusão social", escreve o investigador no texto A Escola e o Futuro. As novas ferramentas podem permitir realizar estes ideais: "Todas as inovações pedagógicas tentadas durante o século XX - como a da Escola da Ponte (uma escola portuguesa, no distrito do Porto, organizada segundo uma lógica de projeto e de equipa, onde não existem salas de aula, no sentido tradicional, mas sim espaços de trabalho), a pedagogia Freinet (proposta pedagógica para modernizar a escola, surgida em 1924, que dá primazia ao desenvolvimento do espírito crítico, utiliza a curiosidade das crianças como ponto de partida para a aprendizagem, feita em cooperação) - foram muito localizadas. As novas tecnologias possibilitam que as inovações pedagógicas se desenvolvam de maneira massificada."
Mas, como explica Vítor Teodoro, "nada se passa fora do enquadramento tecnológico, mas achar que se pode usar a tecnologia para provocar a mudança é ingênuo. O que temos de ter é uma lógica daquilo que queremos para a escola".

Se não é por mudar a tecnologia que muda a escola, também não é pelas mudanças que ocorrem a nível político que a escola se vai transformar, uma vez que, como afirma João Barroso, "as grandes reformas políticas são feitas de cima para baixo, acabando por ficar à porta da sala de aula". As mudanças que estão em curso vão ter de envolver, obrigatoriamente, cinco dimensões: a política, a tecnológica, a pedagógica, a curricular e a da formação de professores.
O especialista em políticas da educação e formação considera que faz sentido pensar o futuro da escola em função das mudanças que ocorrerem dentro da sala de aula. "O futuro da escola é a mudança da organização do ensino, da relação pedagógica entre professores e alunos, da organização do tempo, do espaço, do currículo. No fundo, a transformação da sala de aula, que é o núcleo duro da escola."
O modelo finlandês
Quando se fala em mudar a escola e a educação, muitos políticos, educadores e pedagogos referem, de uma maneira geral, o sistema educativo finlandês. Não é por acaso: a Finlândia ocupa o primeiro lugar ou os lugares cimeiros nas diferentes categorias testadas pelo Programme for International Student Assessment (PISA), que procura medir as capacidades de leitura e de literacia matemática e científica dos jovens com 15 anos nos 34 países da OCDE.
No documentário The Finland Phenomenon: Inside The World"s Most Surprising School System, de 2010, Tony Wagner quis perceber as razões do sucesso deste sistema de ensino. Através de visitas a salas de aula e entrevistas a professores e alunos, o investigador chegou a algumas conclusões. Numa das primeiras cenas do documentário, Wagner conta aquilo a que assistiu numa sala de aula da segunda classe: nas semanas anteriores, as crianças tinham aprendido a distinção entre energias renováveis e não renováveis e, no momento da visita do investigador, a professora pediu aos alunos que criassem um espetáculo de marionetes, imaginando que a eletricidade falhara em suas casas e aquilo que deveriam fazer nessa situação. "Experiências da vida real, conceitos abstratos e artes - tudo integrado no mesmo currículo", comenta Wagner em voz-off.
Um dos professores explica ao investigador aquilo que considera importante na educação dos jovens: "Compreender as razões por detrás das coisas, ler, sonhar, falar, encontrar soluções por si próprio."
"Há 50 anos, as pessoas repetiam as orações em latim e não percebiam o que estavam a dizer. Hoje, acontece o mesmo com os alunos." Vítor Teodoro, professor da FCT-UNL

Ao longo do filme, Tony Wagner chega a outras conclusões. As salas de aula, repara, são pequenas, as turmas têm cerca de 20 alunos e o ambiente é íntimo e relaxado, com as crianças a tratar os professores pelo primeiro nome. Há menos aulas expositivas durante o dia e mais tempo para atividades de projeto e para aprofundar as aprendizagens.
Cada escola goza de grande liberdade para desenhar os seus próprios currículos. No sistema educativo finlandês, os jovens têm muito poucos trabalhos de casa e são submetidos a poucos testes e exames.
Na Finlândia, a profissão docente é altamente prestigiada. Uma das razões para que isto aconteça deve-se à elevada exigência da formação dos professores. Só os melhores alunos conseguem entrar numa das oito universidades que preparam docentes. Estudam durante cinco anos, tempo que inclui o mestrado, e treinam observando os seus professores a ensinar.
Mas, para Wagner, o aspecto mais surpreendente de todos é o facto de o sistema se basear na confiança: "O Governo confia nos municípios para adaptarem o currículo nacional de acordo com as necessidades locais. Os municípios confiam nos professores e nas escolas para que estes façam aquilo que é correto. Os professores confiam na capacidade de os alunos usarem o seu tempo de forma correta e a Internet e outras tecnologias de forma responsável."
Acabar com as salas?
"A sala de aula não muda há 300 anos, mas as crianças são diferentes."  Teresa Salema, Academia Khan Portugal

Há outros exemplos de "escolas do futuro". Através delas, é possível perceber como é que as salas de aula estão a mudar. E as mudanças passam, muitas vezes, pelo próprio desaparecimento do espaço tradicional da sala de aula. Na Vittra Telefonplan, em Estocolmo, em vez de salas de aula, praticamente não existem divisões, à exceção de algumas salas fechadas, para que possam ser à prova de som, destinadas à prática da dança ou do canto ou para a visualização de filmes. Os estudantes sentam-se em sofás almofadados e de formas arredondadas, utilizam mesas que se assemelham às que existem nas cafeterias, onde os alunos podem comer ou trabalhar, ou fazer as duas coisas em simultâneo. A organização do espaço foi pensada para permitir a livre circulação dos estudantes. Os espaços diferenciados pretendem estimular as crianças a aprender à sua maneira.
Segundo uma reportagem na revista Exame (Brasil), na Escola Orestad, em Copenhague, existem algumas salas de aula tradicionais, mas 50% das atividades são realizadas em espaços abertos, onde os alunos resolvem os exercícios em pequenos grupos.
Na Bélgica e nos Estados Unidos, surgiram laboratórios para testar mudanças profundas na forma de organizar o espaço e o trabalho. Em Bruxelas, a associação European Schoolnet, criada pelos ministros de Educação da União Europeia para encorajar as escolas a otimizar a utilização das novas tecnologias, criou o Future Classroom Lab, onde existe uma sala de aula aberta com cinco zonas adaptadas a diferentes atividades: recolha e tratamento da informação, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia. O projecto TEAL (Technology Enable Active Learning), no MIT, em Boston, tem salas compostas com mesas redondas, todas equipadas com computadores. O professor fica no centro da sala. Os estudantes trabalham em grupo e ensinam-se uns aos outros.
João Barroso resume à Revista 2 o que acontece na maior parte destes espaços: "Os alunos não se dividem por disciplinas, mas por atividades - os que estão a trabalhar, os que estão a dialogar, os que estão a recolher informação, os que estão a fazer trabalho autônomo, os que estão a fazer trabalho de grupo, aqueles que estão a desenvolver conceitos, aqueles que praticam exercícios. Os espaços são sobretudo abertos e a sua estrutura central, para além da presença da tecnologia, são grandes mesas redondas para nove, dez alunos." Para além da tecnologia, aquilo que é mais valorizado é o convívio, o debate e a ação, explica.
Isto significa que "a dimensão da relação humana é extremamente valorizada na idealização da escola do futuro, do ponto de vista espacial, organizativo e temporal". João Barroso tem uma visão contrária àquela que acredita que as novas tecnologias podem levar ao isolamento dos adolescentes, quando estes passam horas em frente ao computador: "Estas tecnologias podem ser geridas de uma maneira individualista e de autofechamento, mas, por outro lado, convidam ao debate, à discussão, ao diálogo."
O papel do professor
E é também aqui que entram os professores e a escola, que, segundo este especialista, "tem um papel fundamental em educar os jovens no uso das tecnologias de informação". Não se trata de ensinar as crianças e os adolescentes "a utilizar o computador, os smartphones ou o iPad", diz. Se o papel do professor se resumir a ser um mediador entre o aluno e o computador, passamos a ter um professor que não é professor, mas um "operacional".
Segundo João Barroso, o professor tem de ser um mediador, sim, mas "entre o aluno e o conhecimento", assegurando "situações criativas para o uso das tecnologias". Desta forma, o docente mantém a imagem "do adulto junto do jovem, do professor reflexivo que pensa nas suas práticas e que procura atualizá-las, do porteiro do conhecimento e daquele que garante os valores da educação pública na escola".
"Achamos que a educação é melhor se for uniformizada, o que é uma contradição com o mundo em que vivemos, em que só aqueles que se diferenciam é que arranjam emprego." António Dias de Figueiredo, Projecto Minerva

Para além disso, as novas tecnologias, em vez de diminuírem o estatuto do professor, podem aumentá-lo: "Hoje o professor perde muito tempo com tarefas menores do ponto de vista educativo, e a tecnologia pode permitir aliviar o professor dessas atividades rotineiras e pouco significativas do ponto de vista da profissão docente e deixá-lo livre para aquilo que é fundamental: a relação com a criança e com o jovem no acesso ao conhecimento", diz o investigador.
Para António Dias de Figueiredo, responsável pela fase-piloto do Projecto Minerva, que consistiu na introdução das TIC nas escolas do ensino básico e secundário, um projeto nacional de renovação pedagógica só é possível se dermos confiança aos docentes e criarmos modelos de organização em que seja possível dotar os professores de autonomia: "Se lhes for dada a hipótese de agirem como pessoas inteligentes e não como "funcionários"... Um professor apaixonado consegue fazer milagres."
Mas para que a escola mude, é necessário que algo mude também junto dos professores, defende Vítor Teodoro. A formação dos professores tem de sofrer alterações para se aproximar mais da formação dos médicos, por exemplo: "A aprendizagem das profissões que envolvem interações com outras pessoas deve fazer-se mais pela integração num grupo, pelo acompanhamento, pelo exemplo e pela discussão e análise das situações." Ou seja, os futuros professores deveriam aprender através de casos concretos: assistindo a aulas reais, por exemplo, e não recebendo aulas sobre como se ensina.
Para Vítor Teodoro, o ensino devia ser, cada vez mais, uma atividade de grupo, com equipas que preparam os materiais e as aulas em conjunto. Segundo o professor, isto é válido tanto para a formação dos professores como para a prática profissional.
Precisamos de disciplinas?
Ao mesmo tempo que muda a pedagogia e a tecnologia, o currículo também tem de mudar. João Barroso defende que os currículos devem desenvolver competências transversais e que, ainda que continuemos a falar de disciplinas, o ensino não precisa de estar organizado assim: "As tecnologias podem potenciar atividades transdisciplinares e interdisciplinares, não segmentando os saberes, como hoje acontece na organização disciplinar." Os momentos de transmissão do conhecimento continuariam a existir, mas seriam mais reduzidos: "Há o tempo necessário para aquilo que são os conceitos-chave e depois todo o grande trabalho é na operacionalização desses conceitos - é aí que se resolvem as dúvidas e se inter-relacionam os conceitos."
Para Vítor Teodoro, o modelo da missa que tem dominado a educação deve ser combinado com o modelo do apprenticeship, introduzindo-se bons laboratórios, uma forte componente prática, uma forte componente artística, desenvolvendo o trabalho de projeto dos alunos e colocando a ênfase no trabalho com pequenos grupos.
Segundo o professor, "isto é o oposto do que está a acontecer em Portugal". Como explica à Revista 2, a escola está a ser transformada numa escola mínima. A função tradicional da educação de empowerment tende a ser cada vez menor e tudo aquilo que está relacionado com as expressões artísticas, como o desporto, a arte e a música, estão a desaparecer, afirma Vítor Teodoro.
A escola precisa de mudar, mas essa mudança vai ser na direção errada, lamenta: "Vai mudar para um sentido mais pobre e utilitário - as crianças saem da escola com uma utilidade meramente econômica."

O professor defende que em Portugal deveriam ser adotados os programas do International Baccalaureate (como já fizeram 144 países) - uma fundação internacional para a educação, sem fins lucrativos, que desenvolveu quatro programas educativos para crianças e jovens com idades entre os 3 e os 19 anos e que, segundo Vítor Teodoro, "dá uma grande importância às artes e à iniciativa dos estudantes".
Num desses programas, destinado a crianças entre os 3 e os 12 anos, a aprendizagem da língua materna, dos estudos sociais, da matemática, das artes, da ciência e da educação pessoal, social e física é feita de uma forma transdisciplinar, abordando as seguintes questões: quem somos; em que espaço e em que tempo é que estamos; como é que nos expressamos; como é que o mundo funciona; como é que nos organizamos e partilhar o planeta. Para os mais velhos (dos 16 aos 19 anos), o programa exige aos alunos que realizem um ensaio com quatro mil palavras e um trabalho sobre a Teoria do Conhecimento em que devem analisar as diferentes formas de conhecimento (percepção, emoção, linguagem e razão) e examinar os tipos de conhecimento (científico, artístico, matemático e histórico). Há ainda um envolvimento em atividades artísticas, desportos individuais ou coletivos, projetos internacionais e atividades comunitárias e serviço social. Nestas idades, os alunos podem também optar por seguir um programa de ensino profissional.
Vítor Teodoro está convencido de que a escola portuguesa deveria ser uma variante destes programas e que "entre seis meses e dois anos" seria possível adotar os currículos ao sistema português.
O aluno da era conceptual
Segundo João Barroso, aquilo que os empregadores hoje valorizam no estudante - mais do que aquilo que ele sabe - "é a capacidade que ele tem de aprender coisas novas, de se adaptar às situações, de produzir conhecimento, de interagir".
Um currículo caracterizado pela transdisciplinaridade permite trabalhar a operacionalização dos conceitos, explica João Barroso. No ensino tradicional, geralmente é aí que está o problema - o aluno quer utilizar o conhecimento na sua vida prática e não sabe como fazê-lo.
Para o investigador, "os trabalhos desenvolvidos com recurso às TIC, uma vez que disponibilizam um grande volume de informação, desenvolvem a capacidade de selecionar informação, de tratá-la e de ser capaz de utilizá-la de maneira organizada para um objetivo imediato".
Para Vítor Teodoro, aquilo que distingue um bom profissional de um mau profissional é a autonomia. "Quando me perguntam o que é que eu quero que os alunos sejam, respondo: "Mais autônomos e capazes do que eu próprio"."
No livro A Whole New Mind: How to Thrive in the New Conceptual Age, Daniel Pink apresenta as quatro eras das sociedades dos últimos 150 anos - agrícola, industrial, da informação e, iniciada no século XX e estendendo-se até agora, do conhecimento. Atualmente, começa a emergir uma outra era, a que Pink chamou "era conceptual", na qual se valorizam os trabalhadores que consigam ser mais criativos e com maior inteligência emocional.
A escola de hoje, explica também António Dias de Figueiredo, inspirou-se no cartesianismo, que privilegia tudo o que é racional, deixando de fora aquilo que é emocional. Esta visão racionalista do ensino desenvolve as competências racionais da criança e evita os aspectos emocionais, artísticos e as visões humanistas do mundo: "A escola do ponto de vista da preparação para a razão faz um bom trabalho, mas tem visto a criança como metade daquilo que ela é. O que a escola não está a conseguir encontrar é um equilíbrio entre a razão e a arte. Não está a desenvolver as competências criativas."
Para António Dias de Figueiredo, estamos a construir o século XXI com visões sobre a educação que são do século XIX: "Vivemos na era industrial porque temos uma visão neoliberal da educação. Achamos que a educação é melhor se for uniformizada, o que é uma contradição com o mundo em que vivemos, em que só aqueles que se diferenciam é que arranjam emprego."
Num artigo escrito em 2009, intitulado Inovar em Educação, Educar para a Inovação, António Dias de Figueiredo defendeu que as escolas têm de preparar os cidadãos para "um mundo globalizado, complexo, de mudança, centrado no conhecimento, onde todos competem com todos, sem fronteiras, e onde a capacidade de cada um para criar valor, com empenho e inovação, passou a ser fator crítico, não apenas de sucesso, mas de sobrevivência".
Passados 28 anos sobre o primeiro projeto nacional para as TIC no ensino não-superior, António Dias de Figueiredo considera que evoluímos muito pouco na transformação das escolas em espaços de inovação e criatividade. Os alunos, afirma, "estão a ser produzidos industrialmente e a transformar-se em funcionários. Não têm autonomia".
O professor mostra uma imagem que ilustra esta convicção. A figura está dividida em duas partes. No topo, a frase "What today"s world needs" ("Aquilo de que o mundo de hoje precisa"). Depois, a figura correspondente: bonecos de todas as cores, organizados em grupos com diferentes dimensões e formas. Por baixo, uma outra frase: "What the school systems are producing" ("Aquilo que os sistemas escolares estão a produzir") e três filas de bonecos cinzentos, como se estivessem dispostos em linhas de montagem, sem nada que os distinga entre eles.




quinta-feira, 17 de março de 2016

Resumo do filme indiano 
"Como Estrelas na Terra, Toda Criança é Especial"  
Título original "Taare Zameen Par - Every Child is Special"  (2007)



Sem lançamento oficial no Brasil,  pode ser visto com legenda em português no YouTube, em 16 partes. Link da parte 1   http://youtu.be/SyIYXSaGSOM

Preparem seus corações ... é difícil não se emocionar e conter as lágrimas.

É simplesmente tocante!


Este filme deve ser assistido por pais, avós, tios e principalmente por aqueles que estão envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem, pois consegue transmitir a importância de trabalhar a diversidade em sala de aula, com mente aberta e olhar atento para compreender as necessidades e o contexto social de cada aluno. O filme também é uma lição de amor, de respeito ao próximo, de solidariedade. É a luta contra o preconceito e a marginalização daqueles que não se enquadram no perfil socialmente aceitável.


Filme tem belíssima fotografia, um roteiro impecável e foi produzido por Aaamir Khan, ator, diretor e produtor, 

Este filme deve ser assistido por todos aqueles que estão envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem, pois consegue transmitir a importância de trabalhar a diversidade em sala de aula, com mente aberta e olhar atento para compreender as necessidades e o contexto social de cada aluno. O filme também é uma lição de amor, de respeito ao próximo, de solidariedade. É a luta contra o preconceito e a marginalização daqueles que não se enquadram no perfil socialmente aceitável.

"Acredito que todas as crianças possuem talentos tremendos. O que acontece é que muitas vezes os ofuscamos, de forma dura e insensível." (Souza Neto, 2002 - p. 17).

Sinopse

O filme encanta e comove ao contar a história de Ishaan Awasthi (excelente interpretação de Darsheel Safary),  um menino com idade entre 8 e 9 anos que sofre de dislexia. Ele vive na Índia, nos tempos atuais, e é o segundo filho do casal Nandkishore e Maya Awasthi, que enfrentam as correrias e tensões do mundo contemporâneo. Seus pais e professores desconhecem o problema de Ishaan e ele não encontra apoio em casa, onde é considerado preguiçoso, indisciplinado, burro, desleixado, teimoso e, nem na escola, onde é visto como aluno desinteressado e desatento. Ishaan é repetente, tem dificuldades para ler e escrever corretamente e é constantemente ridicularizado por seus colegoas. Entretanto, Ishaan tem um enorme talento para o desenho. Cria história complexas, desenhando seus personagens que são astronautas e heróis imaginários. A alma de artista de Ishaan não se encaixa nas estruturas sociais vigentes naquela família.

Ishaan tem um irmão mais velho, Yohaan Awasthi, e a relação entre ambos é muito amorosa. Seu irmão está dentro do socialmente aceito, pois é o melhor aluno da classe, tendo sucesso nos esportes também. O irmão é o orgulho dos pais, mas sofre com a tendo sucesso nos esportes também. O irmão é o orgulho dos pais, mas sofre com a pressão para estar sempre em destaque. A comparação entre os irmãos coloca Ishaan em constante desvantagem, muitas vezes sendo castigado por seu pai que não o aceita da forma que é.

Após uma reunião com os professores de Ishaan, que informam aos pais que o menino não apresenta avanços na escola, eles decidem enviá-lo a um internato, para que seja disciplinado e consiga êxito nos estudos. Essa decisão traz um enorme sofrimento para o garoto que é afastado da família. Ishaan passa por um período muito difícil no internato, sofrendo com os pré-julgamentos e as consequentes punções dos professores.  Ele acaba perdendo totalmente o desejo de aprender e se refugia num mundo de muita tristeza, dor e de autodestruição.

O encontro com o jovem Ram Shankar Nikumbh, interpretado por Aamir Khan, diretor e produtor de filme, faz Ishaan ganhar alma nova. Nikumbh é um professor de artes e além do trabalho no colégio, leciona também em uma instituição para crianças com necessidades educacionais especiais. O professor Nikumbh logo identifica a dislexia de Ishaan e percebe o quanto o garoto está sofrendo, lembrando-se que também foi dislexo quando criança. Nikumbh se afeiçoa a Ishaan e consegue, com paciência e carinho, algum retorno do aluno já em suas primeiras aulas, pois ele próprio tambem conseguiu vencer  dislexia através da arte.

O professor percebe a urgência de cuidar do garoto e começa a conversar sobre o caso com os outros professores e com a família de Ishaan, buscando soluções e o empenho de todos.

Uma das cenas mais significativas e bonitas do filme é a que o professor Nikumbh vai à casa dos pais de Ishaan e explica a eles qual o problema do garoto e o que é a dislexia.  É uma verdadeira aula para pais e professores. Vale a pena a transcrição de parte do diálogo dessa cena:

Professor Nikumbh: - Essa dificuldade em ler e escrever se chama dislexia.  Às vezes   as  crianças podem ter problemas adicionais, como dificuldade em seguir múltiplas ordens: vá para página 65, capítulo 9, parágrafo 4, linha 2.  Ou coordenação  motora ruim e péssima.
Professor pergunta à mãe: - Ishaan tem dificuldade em abotoar a camisa ou amarrar os sapatos ?
Mãe: - Sim.
Professor pergunta ao irmão: - Se você lança uma bola, ele consegue pegar ?
Irmão: - Ele nunca consegue.
Professor explica: - Por que ele não consegue relacionar o tamanho, velocidade e distância. Qual é o tamanho da bola, a distância, a que velocidade viaja... quando ele consegue,  já é tarde demais.
Professor prossegue: - Pense... Uma criança de oito ou nove anos que não consegue  ler ou escrever.  Não consegue fazer coisas simples. Que falha em tarefas que crianças da mesma idade fazem sem esforço.Imagina o que ele está passando ?
Sua autoconfiança deve estar destruída. Escondendo as suas inabilidades atrás do        mal  comportamento... foi assim que ele enfrentou o mundo.
Professor se dirige à mãe: - Deve ter criado uma rebelião aqui.A mãe concorda com sinal de cabeça.
Professor prossegue: - Porque admitir "não consigo" ao invés de "não quero"? Nada diferente e um adulto (professor encara o pai que abaixa a cabeça).
Professor continua: - Mas até sua rebelião foi destruída... lá naquele lugar.
Sinto dizer, mas ele parou até de pintar.

É muito triste.



Com o apoio de Nikumbh e dos outros professores que decidiram ajudá-lo, aos poucos o garoto readquire sua autoconfiança e motivação e começa a compreender o mundo da leitura e da escrita, além de ver sua vida tomar um rumo diferente (essas são cenas muito emocionantes). Ishaan volta a desenhar e a sonhar em ser um artista. O trabalho pedagógico do professor Nikumbh é todo voltado para o lúdico.

No final do filme, o internato realiza uma Feira de Artes, com um concurso de desenho livre para alunos e professores da escola, e convida uma famosa artista para julgar e premiar o melhor trabalho que será capa do próximo anuário do colégio. Os dois finalistas são Ishaan e Nikumbh (aluno e mestre) e o garoto consegue o primeiro lugar, sendo aplaudido em é pelos presentes.

A explosão de choro de Ishaan ao receber o prêmio e correr para os braços de seu professor emociona a todos, incluindo os espectadores.

E o narrador do filme conclui: "E a pequena estrela perdida encontrou seu rumo. O mundo está banhado em luz das estrelas... o universo brilha. Você é livre para voar... sem asas."

Ao reencontrar a família, Ashaan é acolhido com respeito e carinho.

"A criança nunca é um problema, apesar de, eventualmente, apresentar problemas." (Souza Neto, 2012 p. 17

E para terminar...   versos da trilha sonora da filme Taare Zameen Par extraídos do site Redação do Momento Espírita


“Pequenas Estrelas na Terra
 Olhe para elas...
Como gotas frescas de orvalho repousando nas folhas – presentes do céu.
Esticando e virando, escorregando e caindo...
Como pérolas delicadas - brilhando com sorrisos.
Não deixemos perder essas pequenas estrelas na Terra...
Como o brilho do sol, em um dia de inverno,
banha um jardim dourado,
elas afugentam as trevas de nossos corações e aquecem nosso ser.
Não deixemos perder essas pequenas estrelas na Terra...
Como fontes de cores ou borboletas sobre flores, como o amor que se basta.
Elas são ondas de esperança, são a aurora dos sonhos e eterna alegria.
Não deixemos perder essas estrelas na Terra.
E na densa escuridão, no âmago da noite,
elas são a chama que dispersa o temor; 
como a fragrância de um pomar que preenche os ares;
como um caleidoscópio e suas miríades de cores,
como flores crescendo em direção ao sol;
como notas de flauta em uma quieta floresta.
Elas são um sopro de ar fresco, o ritmo e música da vida.
Não deixemos perder essas pequenas estrelas na Terra.
Como a vida que pulsa, como botões destinados a florir.
Como a brisa fresca da estação, elas são bênçãos de nossos ancestrais...

Não deixemos perder essas pequenas estrelas na Terra.”

Referências
Souza Neto, Autimio Antunes - Problema ou Talento? - evista Ser Família, Ano V nr. 29 Jan/Fev - Ediouro, São Paulo, 2012.

domingo, 25 de agosto de 2013

Resumo do filme “O Enigma de Kaspar Hauser”



O Enigma de Kaspar Hauser é uma das mais famosas obras cinematográficas do diretor Werner Herzog (Alemanha, 1974). 

(Com a colaboração da leitora deste blog, Jessica Gago, incluo a informação correta) Kaspar Hauser é um nome próprio de origem alemã. O nome original do filme é: Jeder für sich und Gott gegen alle e esse sim significa "cada um por si e Deus contra todos". Kaspar Hauser, em tradução literal, significa "cada um por si e Deus contra todos". 
É um filme denso, que nos mostra uma visão sobre a humanidade e faz uma reflexão sobre a unicidade do ser humano, da história de vida e experiências de cada um, e sobre o quanto linguagem e cultura representam para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Kaspar Hauser, um personagem real e enigmático que, quando encontrado em Nuremberg, em 1828, com supostamente 15 anos, quase não sabia falar, nem andar e não se comportava como humano, pois desde a mais tenra idade, foi privado do convívio social. Sua trajetória de vida é o triste resultado de sua carência de cultura e do
não desenvolvimento da linguagem. O total isolamento na caverna por tanto tempo, impactou fortemente sua formação como indivíduo.

Muito tempo após sua reintegração na sociedade, já com a linguagem mais desenvolvida, percebe-se ainda a dificuldade de Kaspar Hauser em entender às pessoas e suas reações. Enquanto privado do convívio social, o silêncio era sua única companhia. Não somente a ausência de vozes externas, mas o silêncio interno, da mente vazia. Kaspar Hauser não poderia conhecer a si mesmo sem ter alguma relação interpessoal, sem referências. Não havia a linguagem para que ele pudesse definir as coisas que via e experimentava no cativeiro.

Sinopse
O filme apresenta Kasper Hauser em diversos momentos de sua vida e como se dá o desenvolvimento mental após o cativeiro.

No cativeiro, Kaspar Hauser aparece acorrentado, vítima de um homem com capuz, cujo rosto não pode ser visto, que lhe alimenta com pão e água e lhe ensina algumas palavras. Kaspar Hauser viveu nessa situação até o dia que esse homem, única figura humana com quem tinha contato, decide tirá-lo do cativeiro e ele então começa a aprender a andar. Esse mesmo homem o abandona em uma praça de Nuremberg, Alemanha. Kaspar Hauser fica atônito até ser encontrado por outro homem que lhe faz uma série de perguntas que ele não consegue compreender.

Logo a notícia da presença estranha daquele rapaz se espalha e Kaspar Hauser se torna alvo da curiosidade dos habitantes da cidade. Como as autoridades não conseguiram decifrar o enigma, Kaspar Hauser passa a viver em um estábulo sob a contínua observação das autoridades que só tinham as informações que o rapaz portava ao ser encontrado: um rosário, umas orações católicas manuscritas e uma carta que mencionava seu nome, a data de seu nascimento e a indicação de que ele deveria se tornar um cavaleiro tal como seu pai, cuja identidade não é revelada.

Em outro momento do filme, inicia o contato de Kaspar Hauser com a sociedade. As autoridades perceberam que ele só se alimentava de pão e água e que seus pés estavam feridos. Descobriram também que ele era capaz de reproduzir seu nome (um rudimento de escrita). Diagnosticaram seu caso como uma mente confusa que não poderia ser submetida a um inquérito policial e decidiram mandá-lo para a prisão junto com outros vagabundos.
Seu primeiro contato em um ambiente social é com a família do guarda do presídio e se dá através do filho do guarda, que o ensina a pronunciar as palavras com auxílio de um espelho. É com essa família que Kaspar Hauser toma seu primeiro banho e aprende a usar os talheres. A filha do casal tenta ensinar música para Kaspar Hauser e, apesar da dificuldade com a letra da melodia, ele se identifica com os sons. Kaspar Hauser tinha mais afinidades com animais e crianças.
As autoridades continuaram a investigação para saber mais sobre Kaspar Hauser, mas os gastos para mantê-lo longe da sociedade estavam altos e, então, decidiram enviá-lo para um circo.

Nesse novo momento, o filme apresenta as agruras e humilhações pelas quais passou Kaspar Hauser durante o tempo que esteve no circo. Ele é apresentado em espetáculos como uma aberração junto com outros indivíduos que também são especiais, cada um de uma forma diferente. Todos conseguem fugir do circo, correndo das pessoas que querem caçá-los. Kasper Hauser se esconde em uma cabana e é encontrado por um professor.

Após esse primeiro encontro com o professor Daumer, passam-se dois anos e Kaspar Hauser aparece como filho adotivo do professor. A cena mostra o professor e Kaspar Hauser assistindo a um jovem cego, Florian, tocar piano. Kaspar chora de emoção, pois a música o sensibiliza. Kaspar Hauser se sente envelhecido e cansado de tentar aprender coisas que para ele são difíceis e muitas vezes, sem sentido. O professor o consola e tenta reanimá-lo dando como exemplo o jovem Florian, que apesar de cego e de ter perdido toda a família em um acidente, não desanimou e toca piano o dia todo.

Após esse episódio, o filme passa a outro momento e Kaspar Hauser aparece tomando chá com os padres. Os religiosos estão interessados em saber o quanto o rapaz conhece de Deus. Kaspar Hauser os surpreende dizendo que não consegue imaginar que Deus tivesse criado tudo o que existe no mundo a partir do nada. Os padres tentam convencê-lo a crer através da fé e mais uma vez Karpar Hauser, em sua simplicidade e inocência, esclarece com muito bom senso, que precisará melhorar sua leitura e sua escrita para, posteriormente, compreender o restante.

Em todos os momentos do filme em que Kaspar Hauser é confrontado por alguém, ele se mostra muito mais sensato e lógico do que os homens educados.

Quando Kaspar Hauser é convidado para sua primeira festa, mais uma vez se torna uma atração para os convidados. Kaspar é informado que o lorde que o convidou tem a intenção de adotá-lo e levá-lo para a Inglaterra. Porém, Kaspar Hauser não consegue causar uma boa impressão ao lorde e não se sente bem no ambiente festivo.

Em outro momento importante da trama, Kaspar Hauser sofre um atentado. Sua fama começa a incomodar algumas pessoas. Durante o atentado, Kaspar não se defende e nem pede ajuda. Machucado, procura um local escuro para se esconder, como se quisesse retornar ao seu tempo de cativeiro, quando não era atormentado pelos homens. Mais uma vez, Kaspar Hauser é auxiliado pelo professor Daumer, que o leva para casa e cuida para que ele se recupere. Kaspar Hauser tem delírios onde se encontra com a morte.

Pouco tempo depois, Kasper Hauser sofre um segundo atentado. Mesmo machucado, procura pelo professor Daumer e conta o que se passou. No local do episódio, o professor encontra um saco com um bilhete que sugeria o motivo pelo qual Kaspar Hauser havia sido atacado e fica subentendido que o atacante poderia ser seu pai. A verdade sobre a origem de Kaspar Hauser fica para sempre em segredo.

Kaspar Hauser morre rodeado por aqueles que lhe foram mais próximos durante sua curta trajetória de vida em sociedade. Após sua morte, ele é levado para autópsia, cujo relatório aponta uma anormalidade no cerebelo que afetou seu desenvolvimento intelectual, acreditando as autoridades que haviam encontrado as respostas a todas as questões pendentes em torno desse homem diferente, Kaspar Hauser.

Essa obra do diretor Herzog é repleta de simbolismos. Podemos estudar as experiências vividas por Kaspar Hauser pela ótica tanto das ciências médicas como das sociais. A importância do aprendizado da linguagem para o bom relacionamento interpessoal é o fator que mais chama a atenção. Kaspar Hauser menciona em uma de suas falas:
- Tenho que aprender a ler e a escrever para depois poder compreender.

Conhecer o mundo pela linguagem, por signos linguísticos, parece não ser suficiente para Kaspar Hauser. Vygotsky insiste que o pensamento e a linguagem se originam independentemente, fundindo-se mais tarde no tipo de linguagem interna que constitui a maior parte do pensamento maduro. (Saboya, 2001 – p.5)

Kaspar Hauser não passou por um processo de socialização, onde exercitaria a compreensão através da prática social, não consegue atribuir significado às coisas, mesmo tendo adquirido a linguagem. Assim, analisando o caso de Kaspar Hauser, somos levados a pensar que não apenas o sistema perceptual, mas as estruturas mentais e a própria linguagem são resultantes da prática social, ou seja, as práticas culturais "modelam" a percepção da realidade e o conhecimento por parte do sujeito. (Saboya, 2001 – p. 6)


Referências


Saboya, Maria Clara Lopes - O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (1812?-1833): UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL - Psicologia USP  vol.12  no.2  - São Paulo  2001
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642001000200007