Recentemente,
lendo posts no meu Facebook, deparei-me com este artigo e resolvi publicá-lo no
blog, pois concordo com todas as questões levantadas para se repensar as
escolas e a forma de ministrar aulas. Acredito ser de interesse de todos os
pedagogos.
A
autora, Catarina Fernandes Martins, é uma jornalista freelancer portuguesa que
já fez reportagens em vários países. Estudou na Universidade Nova de Lisboa,
segundo informações extraídas de sua página no Linkedin. Algumas palavras do
texto foram transcritas para a grafia do português do Brasil.
Quando a escola deixar de ser uma fábrica de alunos
autora: CATARINA FERNANDES MARTINS
Fonte: http://www.publico.pt/temas/jornal/quando-a-escola-deixar-de-ser-uma-fabrica-de-alunos-27008265
A
escola de massas, onde um professor ensina ao mesmo tempo e no mesmo lugar
dezenas de alunos, nasceu com a revolução industrial mas chegou ao século XXI.
Em dois séculos, mudaram os estudantes, mudou a sociedade e mudou o mercado de
trabalho. Quando mudará a escola?
A
escola do ano 2000 imaginada e retratada pelos ilustradores franceses Jean Marc CotÍ e
Villemard em 1899 , num postal que era parte de uma
série produzida para a Exposição Universal de Paris, em 1900:
Crianças sentadas em fila, olhando para a frente. Mãos cruzadas em cima
da mesa, numa postura inerte. A secretária do professor fica no extremo
esquerdo da sala de aula. Não está a ensinar. Os alunos têm uns capacetes de
metal, ligados por uns cabos elétricos a uma máquina onde o professor coloca
uns livros. A função desse aparelho, compreende-se pela imagem, é a de extrair
a informação dos manuais e introduzi-la diretamente nos cérebros dos jovens,
através da transmissão da energia elétrica. A gravura é de 1899 e foi utilizada
por João Barroso, especialista em políticas de educação e formação da
Universidade de Lisboa, num trabalho que terá sido apresentado em São Paulo,
ontem, intitulado A Escola e o Futuro: As Mudanças Começam na Sala de
Aula.
A escola do ano 2000 é imaginada, no final do século XIX, como um
prolongamento da escola então existente. Cotê e Villemard não vislumbraram uma
sala de aula com um funcionamento completamente diferente por causa da eletricidade.
Em vez disso, desenharam a aula de 1899 - um local onde os jovens recebem, de
forma passiva, o conhecimento que lhes é transmitido pelo professor - e
acrescentaram-lhe uma nova tecnologia, que lhes permitiria, simplesmente, ter a
mesma informação, embora com a recepção facilitada.
Vítor Teodoro, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da
Universidade Nova de Lisboa, tem outra pintura - de uma sala de aula ainda mais
antiga - na cabeça. O professor está num púlpito. Lá no alto, consegue ver
todos os alunos, que se dispõem à sua frente, sentados por filas. Mas nem todos
olham para ele. Uns conversam com os colegas do lado. Uns têm o olhar perdido
noutra direção. Um deles dorme apoiado no braço. Vítor Teodoro está a pensar na
iluminura pintada por Laurentius de Voltolina no século XIV, que retrata
Henrique da Alemanha a dar uma aula na Universidade de Bolonha, mas que, de
acordo com o professor, podia retratar uma sala de aula dos dias de hoje.
A educação que hoje conhecemos tem duas bases, explica o professor da
FCT-UNL: a da religião e a do apprenticeship - a aprendizagem
por integração numa comunidade, que vem da tradição dos ofícios e dos mestres.
Para Vítor Teodoro, durante o século XX, predominou o modelo religioso. A
escola adotou das igrejas o estrado e o púlpito e o professor, à semelhança do
padre, começou a transmitir, expositivamente, a informação aos alunos, que a
recebem de uma forma passiva. Ensina-se o grupo e não o indivíduo, o que,
muitas vezes, leva a que alguns jovens não compreendam o que está a ser
ensinado e percam o interesse: "Há 50 anos, as pessoas repetiam as orações
em latim e não percebiam o que estavam a dizer. Hoje, acontece o mesmo com os
alunos."
Há muito tempo que a escola se concentra em ensinar aos alunos as
competências básicas da matemática, da escrita e da leitura. Agora, estas
aprendizagens básicas já não são suficientes. No livro The global
achievement gap, Tony Wagner, investigador de Inovação na Educação no
Centro de Tecnologia e Empreendedorismo da Universidade de Harvard, descreve o
que está a ser ensinado aos jovens nas escolas, por oposição ao que eles
deveriam estar a aprender para triunfarem nas suas carreiras, numa economia
global.
Wagner defende que a escola deve desenvolver sete "competências de
sobrevivência" necessárias para que as crianças possam enfrentar os
desafios futuros: pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas,
colaboração, agilidade e adaptabilidade, iniciativa e empreendedorismo, boa
comunicação oral e escrita, capacidade de aceder à informação e analisá-la e,
por fim, curiosidade e imaginação.
Teresa Franco tem 15 anos e a partir de Setembro vai frequentar o 10.º
ano no Liceu Rainha Dona Amélia, em Lisboa. Decidir-se por uma área de estudos
foi complicado, diz: "Não tenho a certeza de nada porque não tenho experiência."
Teresa fez um intenso trabalho de pesquisa e criou uma lista com os cursos que
a interessavam: Psicologia, Serviço Social, Dança, Escultura, Pintura, Design
de Ambientes, Design de Comunicação, Design de Moda, Fotografia, Ciências da
Educação, Jornalismo... Áreas variadas e muitas delas relacionadas com a
criatividade. Fez testes psicotécnicos e falou com profissionais de várias
áreas para perceber com qual delas mais se identificava. Acabou por escolher o
curso de Artes. Talvez um dia venha a ser designer.
Quem sabe se por causa das dificuldades que teve em decidir-se por um
curso, Teresa defende que a escola deveria promover a interação com pessoas com
experiência nas diferentes áreas profissionais. Defende que aquilo que faz
mesmo falta na escola é uma componente mais prática. Sugere, por exemplo, que o
horário da tarde fosse ocupado com workshops de fotografia,
desporto, artes... Quanto ao ensino das disciplinas, deveriam ser incentivados
outros métodos para além do "decorar, decorar, decorar". É por essa
razão que muitos dos seus colegas "odeiam História": "Deviam
encontrar uma forma que nos cativasse. Em vez de nos obrigarem a decorar,
podiam contar-nos mesmo uma história - levar-nos a falar com historiadores ou
pessoas que tivessem vivido um determinado acontecimento."
Até aos seis anos, frequentou uma escola inglesa, a English Preparatory
School. Como explica a sua mãe, Cristina Rebocho, o ambiente era descontraído e
a autoestima das crianças estimulada: "Ensinavam muito através da brincadeira."
Os momentos de avaliação aconteciam de forma discreta. As crianças pensavam que
estavam a fazer uma ficha de exercícios normal, quando, na verdade era um
teste, e assim não ficavam tão nervosos. No ensino da língua - neste caso, do
inglês - os erros ortográficos das primeiras composições não eram corrigidos.
"Para que eles pudessem desenvolver a imaginação e a criatividade",
explica Cristina Rebocho.
Teresa pensa que os anos que passou nesta escola lhe deram
"estruturas sólidas". Também por causa dessa experiência, está
convencida de que o ensino deveria ter uma base artística. Alguns colegas
dizem-lhe que tinham jeito para as artes quando eram pequenos, mas como não
tinham tempo foram-no perdendo. Para Teresa, é uma pena porque, diz, as artes
"são muito úteis para que nos consigamos expressar e estar mais à vontade
na relação com os outros. E são libertadoras".
A pedagogia tradicional da escola uniformizada está na base da criação
da escola de massas a partir do século XIX e não sofreu alterações radicais
desde então. Assenta na homogeneização dos alunos e na subordinação aos
princípios da tragédia grega: unidade de espaço, de tempo e de ação -
"Tudo se passa nos mesmos lugares, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Uma
escola é uma coleção de salas de aula e o ensino é uma repetição de atividades
pré-formatadas, iguais todos os anos", de acordo com João Barroso, da
Universidade Nova Lisboa.
Os vídeos Khan
A revista Economist, num artigo da sua edição de 29 de
Junho, Education technology, mostrava-se otimista relativamente à
possibilidade de a Internet ser, por fim, capaz de fazer aquilo que a escola
massificada nunca conseguiu - adequar-se às necessidades individuais de cada
aluno. A revista britânica considera que os recursos online -
desde os programas que monitorizam o desempenho dos alunos aos vídeos com
exercícios - podem estar a transformar profundamente a educação.
Um dos exemplos referidos pela revista foi o da Khan Academy - um site que
disponibiliza gratuitamente vídeos com explicações, criado pelo norte-americano
Salman Khan. Os vídeos possibilitam a metodologia da "aula invertida"
- em vez de assistirem à exposição do professor na sala e realizarem os
exercícios em casa, os alunos assistem aos vídeos em casa e realizam os
exercícios na sala de aula. Um exemplo, segundo a Economist, de
como algumas inovações podem transformar a educação convencional.
Em Abril deste ano, a Fundação Portugal Telecom importou a ideia. Para
Teresa Salema, responsável pela Academia Khan em Portugal, o futuro da educação
pode passar por aqui.
A iniciativa surgiu devido à percepção de que "os alunos não estão
bem preparados para enfrentar a sociedade da informação" e da necessidade
de introduzir novos estilos de aprendizagem: "A sala de aula não muda há
300 anos, mas as crianças são diferentes", afirma à Revista 2.
Até ao início do próximo ano letivo, a PT espera ter disponíveis 400
vídeos de Matemática. Depois, e até 2014, deverão ser adaptados vídeos de
Física, Química e Biologia. As explicações foram traduzidas do inglês e a
adaptação aos conteúdos dos programas nacionais foram feitos com a ajuda da
Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). As prioridades situaram-se nas áreas
mais científicas, onde os resultados escolares a nível nacional são mais
negativos.
Como explica Teresa Salema, os vídeos da Academia Khan permitem que o
professor se concentre "na orientação, na relação com os alunos e na
tutoria individual, que constituem os papéis mais nobres da profissão". E
acrescenta que a responsabilidade está, cada vez mais, do lado dos alunos, que
têm de querer aprender: "O professor deve incentivar o aluno, mas este não
pode ser passivo."
Vítor Teodoro, que já recorreu aos vídeos da Academia Khan e a outros
semelhantes nas suas aulas, ressalva que, se a utilização destes instrumentos
não for feita de forma adequada, podem ser "mais do mesmo", uma vez
que foram "pensados para o modelo "missa"". "Quando
projeto um vídeo, posso dizer: "Vejam e aprendam." Ou posso parar a
apresentação e dizer: "O que é que isto quer dizer?" "Vamos
transferir este esquema para o papel"." De acordo com João Barroso,
transformações como a da "aula invertida" são "pequenas
alterações cosméticas, que não tocam no essencial, que é a pedagogia".
Três futuros possíveis
Para João Barroso, os problemas e os desafios que se colocam à escola
fazem parte de uma evolução histórica e há três futuros possíveis para o
processo de escolarização: a hiperescolarização, a desescolarização e a
refundação, todos eles potenciados pela utilização das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TIC).
A tendência da hiperescolarização está relacionada com o reforço da
escola homogênea. Neste caso, as novas tecnologias servem apenas, nas palavras
de João Barroso, para fazer o upgrade daquilo que já está a ser
realizado. "A sala de aula continua organizada da mesma maneira. O que eu
vou melhorando são escolhas que já fazia. Isso não é mau. É o que os
professores têm feito com o retroprojetor, com o vídeo... Pequenas
transformações nas práticas docentes que têm permitido que se passasse da
disposição frontal para a disposição de grupo e que os alunos façam trabalhos
de grupo."
"Deviam encontrar uma forma que nos cativasse.
Em vez de nos obrigarem a decorar, podiam contar-nos mesmo uma história -
levar-nos a falar com historiadores ou pessoas que tivessem vivido um
determinado acontecimento" Teresa Franco, 15 anos, estudante
A defesa da desescolarização está associada à publicação, em 1971, dos
livros The School is Dead, de Everett Reimer, e Deschooling
Society, de Ivan Illich, onde se criticava a escola como instituição.
Reimer considerava que a "salvação" da educação passava pelo fim da
escola, tornando-se necessário devolver o acto de educar aos pais, à comunidade
e à livre iniciativa. Illich, por sua vez, defendia que a educação universal
por meio da escolaridade não era possível. Atualmente, este movimento da
desescolarização foi recuperado pelos defensores do homeschooling (ensino
doméstico), em que as famílias optam por educar os seus filhos em casa. Normalmente,
o homeschooling está associado a perspectivas mais
conservadoras, em que se defende o regresso à vida comunitária das famílias.
Como explica João Barroso à Revista 2, "as empresas de software educativo
têm vindo a apostar nesse público, fornecendo pacotes de programas educativos
organizados em função dos vários anos de escolaridade para que os adultos em
casa possam colocar os jovens em frente ao computador e aprender com esses
programas".
A escola não está morta
João Barroso garante que "a escola não está morta, não desapareceu
e será recuperada". Para o investigador, o futuro desejável é o da
refundação: "Há uma necessidade de refundação da escola para que ela possa
entrar na era digital, mas essa refundação não se faz unicamente com a
tecnologia, faz-se também com a alteração das práticas pedagógicas, com a
alteração do currículo e alterando o trabalho dos professores."
Esta refundação (o termo corresponde, também, à designação do programa
aprovado este ano pela Assembleia da República francesa para preparar a escola
para a era digital - La refondation de l"École) assemelha-se a
um modelo com um século: o movimento pedagógico conhecido por Educação Nova,
que se desenvolveu nos primeiros anos do século XX e que teve o seu impulso com
a publicação do livro Transformemos a Escola, de Adolfo Ferrière.
Este movimento pretendia assegurar uma educação à medida de cada aluno e caracteriza-se
pela defesa do "desenvolvimento das competências individuais, da
aprendizagem interativa, da escola criativa e ativa, apostando na autonomia do
aluno", diz.
"Hoje, também é necessário transformar a escola de acordo com os
mesmos princípios e em benefício de uma educação à medida de cada aluno,
garantindo a equidade, a igualdade de oportunidades e a inclusão social",
escreve o investigador no texto A Escola e o Futuro. As novas
ferramentas podem permitir realizar estes ideais: "Todas as inovações
pedagógicas tentadas durante o século XX - como a da Escola da Ponte (uma
escola portuguesa, no distrito do Porto, organizada segundo uma lógica de projeto
e de equipa, onde não existem salas de aula, no sentido tradicional, mas sim
espaços de trabalho), a pedagogia Freinet (proposta pedagógica para modernizar
a escola, surgida em 1924, que dá primazia ao desenvolvimento do espírito
crítico, utiliza a curiosidade das crianças como ponto de partida para a
aprendizagem, feita em cooperação) - foram muito localizadas. As novas
tecnologias possibilitam que as inovações pedagógicas se desenvolvam de maneira
massificada."
Mas, como explica Vítor Teodoro, "nada se passa fora do
enquadramento tecnológico, mas achar que se pode usar a tecnologia para
provocar a mudança é ingênuo. O que temos de ter é uma lógica daquilo que
queremos para a escola".
Se não é por mudar a tecnologia que muda a escola, também não é pelas
mudanças que ocorrem a nível político que a escola se vai transformar, uma vez
que, como afirma João Barroso, "as grandes reformas políticas são feitas
de cima para baixo, acabando por ficar à porta da sala de aula". As
mudanças que estão em curso vão ter de envolver, obrigatoriamente, cinco
dimensões: a política, a tecnológica, a pedagógica, a curricular e a da
formação de professores.
O especialista em políticas da educação e formação considera que faz
sentido pensar o futuro da escola em função das mudanças que ocorrerem dentro
da sala de aula. "O futuro da escola é a mudança da organização do ensino,
da relação pedagógica entre professores e alunos, da organização do tempo, do
espaço, do currículo. No fundo, a transformação da sala de aula, que é o núcleo
duro da escola."
O modelo finlandês
Quando se fala em mudar a escola e a educação, muitos políticos,
educadores e pedagogos referem, de uma maneira geral, o sistema educativo
finlandês. Não é por acaso: a Finlândia ocupa o primeiro lugar ou os lugares
cimeiros nas diferentes categorias testadas pelo Programme for International
Student Assessment (PISA), que procura medir as capacidades de leitura e de
literacia matemática e científica dos jovens com 15 anos nos 34 países da OCDE.
No documentário The Finland Phenomenon: Inside The World"s
Most Surprising School System, de 2010, Tony Wagner quis perceber as razões
do sucesso deste sistema de ensino. Através de visitas a salas de aula e
entrevistas a professores e alunos, o investigador chegou a algumas conclusões.
Numa das primeiras cenas do documentário, Wagner conta aquilo a que assistiu
numa sala de aula da segunda classe: nas semanas anteriores, as crianças tinham
aprendido a distinção entre energias renováveis e não renováveis e, no momento
da visita do investigador, a professora pediu aos alunos que criassem um espetáculo
de marionetes, imaginando que a eletricidade falhara em suas casas e aquilo que
deveriam fazer nessa situação. "Experiências da vida real, conceitos
abstratos e artes - tudo integrado no mesmo currículo", comenta Wagner em voz-off.
Um dos professores explica ao investigador aquilo que considera
importante na educação dos jovens: "Compreender as razões por detrás das
coisas, ler, sonhar, falar, encontrar soluções por si próprio."
"Há 50 anos, as pessoas repetiam as orações em
latim e não percebiam o que estavam a dizer. Hoje, acontece o mesmo com os
alunos." Vítor Teodoro, professor da FCT-UNL
Ao longo do filme, Tony Wagner chega a outras conclusões. As salas de
aula, repara, são pequenas, as turmas têm cerca de 20 alunos e o ambiente é
íntimo e relaxado, com as crianças a tratar os professores pelo primeiro nome.
Há menos aulas expositivas durante o dia e mais tempo para atividades de projeto
e para aprofundar as aprendizagens.
Cada escola goza de grande liberdade para desenhar os seus próprios currículos.
No sistema educativo finlandês, os jovens têm muito poucos trabalhos de casa e
são submetidos a poucos testes e exames.
Na Finlândia, a profissão docente é altamente prestigiada. Uma das
razões para que isto aconteça deve-se à elevada exigência da formação dos
professores. Só os melhores alunos conseguem entrar numa das oito universidades
que preparam docentes. Estudam durante cinco anos, tempo que inclui o mestrado,
e treinam observando os seus professores a ensinar.
Mas, para Wagner, o aspecto mais surpreendente de todos é o facto de o
sistema se basear na confiança: "O Governo confia nos municípios para
adaptarem o currículo nacional de acordo com as necessidades locais. Os
municípios confiam nos professores e nas escolas para que estes façam aquilo
que é correto. Os professores confiam na capacidade de os alunos usarem o seu
tempo de forma correta e a Internet e outras tecnologias de forma
responsável."
Acabar com as salas?
"A sala de aula não muda há 300 anos, mas as
crianças são diferentes." Teresa Salema, Academia Khan Portugal
Há outros exemplos de "escolas do futuro". Através delas, é
possível perceber como é que as salas de aula estão a mudar. E as mudanças
passam, muitas vezes, pelo próprio desaparecimento do espaço tradicional da
sala de aula. Na Vittra Telefonplan, em Estocolmo, em vez de salas de aula,
praticamente não existem divisões, à exceção de algumas salas fechadas, para
que possam ser à prova de som, destinadas à prática da dança ou do canto ou
para a visualização de filmes. Os estudantes sentam-se em sofás almofadados e
de formas arredondadas, utilizam mesas que se assemelham às que existem nas
cafeterias, onde os alunos podem comer ou trabalhar, ou fazer as duas coisas em
simultâneo. A organização do espaço foi pensada para permitir a livre
circulação dos estudantes. Os espaços diferenciados pretendem estimular as
crianças a aprender à sua maneira.
Segundo uma reportagem na revista Exame (Brasil), na
Escola Orestad, em Copenhague, existem algumas salas de aula tradicionais, mas
50% das atividades são realizadas em espaços abertos, onde os alunos resolvem
os exercícios em pequenos grupos.
Na Bélgica e nos Estados Unidos, surgiram laboratórios para testar
mudanças profundas na forma de organizar o espaço e o trabalho. Em Bruxelas, a
associação European Schoolnet, criada pelos ministros de Educação da União
Europeia para encorajar as escolas a otimizar a utilização das novas
tecnologias, criou o Future Classroom Lab, onde existe uma sala de aula aberta
com cinco zonas adaptadas a diferentes atividades: recolha e tratamento da
informação, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia. O projecto
TEAL (Technology Enable Active Learning), no MIT, em Boston, tem salas
compostas com mesas redondas, todas equipadas com computadores. O professor
fica no centro da sala. Os estudantes trabalham em grupo e ensinam-se uns aos
outros.
João Barroso resume à Revista 2 o que acontece na maior parte destes
espaços: "Os alunos não se dividem por disciplinas, mas por atividades -
os que estão a trabalhar, os que estão a dialogar, os que estão a recolher
informação, os que estão a fazer trabalho autônomo, os que estão a fazer
trabalho de grupo, aqueles que estão a desenvolver conceitos, aqueles que
praticam exercícios. Os espaços são sobretudo abertos e a sua estrutura
central, para além da presença da tecnologia, são grandes mesas redondas para
nove, dez alunos." Para além da tecnologia, aquilo que é mais valorizado é
o convívio, o debate e a ação, explica.
Isto significa que "a dimensão da relação humana é extremamente
valorizada na idealização da escola do futuro, do ponto de vista espacial,
organizativo e temporal". João Barroso tem uma visão contrária àquela que
acredita que as novas tecnologias podem levar ao isolamento dos adolescentes,
quando estes passam horas em frente ao computador: "Estas tecnologias
podem ser geridas de uma maneira individualista e de autofechamento, mas, por
outro lado, convidam ao debate, à discussão, ao diálogo."
O papel do professor
E é também aqui que entram os professores e a escola, que, segundo este
especialista, "tem um papel fundamental em educar os jovens no uso das
tecnologias de informação". Não se trata de ensinar as crianças e os
adolescentes "a utilizar o computador, os smartphones ou
o iPad", diz. Se o papel do professor se resumir a ser um mediador entre o
aluno e o computador, passamos a ter um professor que não é professor, mas um
"operacional".
Segundo João Barroso, o professor tem de ser um mediador, sim, mas
"entre o aluno e o conhecimento", assegurando "situações
criativas para o uso das tecnologias". Desta forma, o docente mantém a
imagem "do adulto junto do jovem, do professor reflexivo que pensa nas
suas práticas e que procura atualizá-las, do porteiro do conhecimento e daquele
que garante os valores da educação pública na escola".
"Achamos que a educação é melhor se for
uniformizada, o que é uma contradição com o mundo em que vivemos, em que só
aqueles que se diferenciam é que arranjam emprego." António
Dias de Figueiredo, Projecto Minerva
Para além disso, as novas tecnologias, em vez de diminuírem o estatuto
do professor, podem aumentá-lo: "Hoje o professor perde muito tempo com
tarefas menores do ponto de vista educativo, e a tecnologia pode permitir
aliviar o professor dessas atividades rotineiras e pouco significativas do
ponto de vista da profissão docente e deixá-lo livre para aquilo que é
fundamental: a relação com a criança e com o jovem no acesso ao
conhecimento", diz o investigador.
Para António Dias de Figueiredo, responsável pela fase-piloto do
Projecto Minerva, que consistiu na introdução das TIC nas escolas do ensino
básico e secundário, um projeto nacional de renovação pedagógica só é possível
se dermos confiança aos docentes e criarmos modelos de organização em que seja
possível dotar os professores de autonomia: "Se lhes for dada a hipótese
de agirem como pessoas inteligentes e não como "funcionários"... Um
professor apaixonado consegue fazer milagres."
Mas para que a escola mude, é necessário que algo mude também junto dos
professores, defende Vítor Teodoro. A formação dos professores tem de sofrer
alterações para se aproximar mais da formação dos médicos, por exemplo: "A
aprendizagem das profissões que envolvem interações com outras pessoas deve fazer-se
mais pela integração num grupo, pelo acompanhamento, pelo exemplo e pela
discussão e análise das situações." Ou seja, os futuros professores
deveriam aprender através de casos concretos: assistindo a aulas reais, por
exemplo, e não recebendo aulas sobre como se ensina.
Para Vítor Teodoro, o ensino devia ser, cada vez mais, uma atividade de
grupo, com equipas que preparam os materiais e as aulas em conjunto. Segundo o
professor, isto é válido tanto para a formação dos professores como para a
prática profissional.
Precisamos de disciplinas?
Ao mesmo tempo que muda a pedagogia e a tecnologia, o currículo também
tem de mudar. João Barroso defende que os currículos devem desenvolver
competências transversais e que, ainda que continuemos a falar de disciplinas,
o ensino não precisa de estar organizado assim: "As tecnologias podem
potenciar atividades transdisciplinares e interdisciplinares, não segmentando
os saberes, como hoje acontece na organização disciplinar." Os momentos de
transmissão do conhecimento continuariam a existir, mas seriam mais reduzidos:
"Há o tempo necessário para aquilo que são os conceitos-chave e depois
todo o grande trabalho é na operacionalização desses conceitos - é aí que se
resolvem as dúvidas e se inter-relacionam os conceitos."
Para Vítor Teodoro, o modelo da missa que tem dominado a educação deve
ser combinado com o modelo do apprenticeship, introduzindo-se bons
laboratórios, uma forte componente prática, uma forte componente artística,
desenvolvendo o trabalho de projeto dos alunos e colocando a ênfase no trabalho
com pequenos grupos.
Segundo o professor, "isto é o oposto do que está a acontecer em
Portugal". Como explica à Revista 2, a escola está a ser transformada numa
escola mínima. A função tradicional da educação de empowerment tende
a ser cada vez menor e tudo aquilo que está relacionado com as expressões
artísticas, como o desporto, a arte e a música, estão a desaparecer, afirma
Vítor Teodoro.
A escola precisa de mudar, mas essa mudança vai ser na direção errada,
lamenta: "Vai mudar para um sentido mais pobre e utilitário - as crianças
saem da escola com uma utilidade meramente econômica."
O professor defende que em Portugal deveriam ser adotados os programas
do International Baccalaureate (como já fizeram 144 países) - uma fundação
internacional para a educação, sem fins lucrativos, que desenvolveu quatro
programas educativos para crianças e jovens com idades entre os 3 e os 19 anos
e que, segundo Vítor Teodoro, "dá uma grande importância às artes e à
iniciativa dos estudantes".
Num desses programas, destinado a crianças entre os 3 e os 12 anos, a
aprendizagem da língua materna, dos estudos sociais, da matemática, das artes,
da ciência e da educação pessoal, social e física é feita de uma forma
transdisciplinar, abordando as seguintes questões: quem somos; em que espaço e
em que tempo é que estamos; como é que nos expressamos; como é que o mundo
funciona; como é que nos organizamos e partilhar o planeta. Para os mais velhos
(dos 16 aos 19 anos), o programa exige aos alunos que realizem um ensaio com
quatro mil palavras e um trabalho sobre a Teoria do Conhecimento em que devem
analisar as diferentes formas de conhecimento (percepção, emoção, linguagem e
razão) e examinar os tipos de conhecimento (científico, artístico, matemático e
histórico). Há ainda um envolvimento em atividades artísticas, desportos
individuais ou coletivos, projetos internacionais e atividades comunitárias e
serviço social. Nestas idades, os alunos podem também optar por seguir um
programa de ensino profissional.
Vítor Teodoro está convencido de que a escola portuguesa deveria ser uma
variante destes programas e que "entre seis meses e dois anos" seria
possível adotar os currículos ao sistema português.
O aluno da era conceptual
Segundo João Barroso, aquilo que os empregadores hoje valorizam no
estudante - mais do que aquilo que ele sabe - "é a capacidade que ele tem
de aprender coisas novas, de se adaptar às situações, de produzir conhecimento,
de interagir".
Um currículo caracterizado pela transdisciplinaridade permite trabalhar
a operacionalização dos conceitos, explica João Barroso. No ensino tradicional,
geralmente é aí que está o problema - o aluno quer utilizar o conhecimento na
sua vida prática e não sabe como fazê-lo.
Para o investigador, "os trabalhos desenvolvidos com recurso às
TIC, uma vez que disponibilizam um grande volume de informação, desenvolvem a
capacidade de selecionar informação, de tratá-la e de ser capaz de utilizá-la
de maneira organizada para um objetivo imediato".
Para Vítor Teodoro, aquilo que distingue um bom profissional de um mau
profissional é a autonomia. "Quando me perguntam o que é que eu quero que
os alunos sejam, respondo: "Mais autônomos e capazes do que eu
próprio"."
No livro A Whole New Mind: How to Thrive in the New Conceptual
Age, Daniel Pink apresenta as quatro eras das sociedades dos últimos 150
anos - agrícola, industrial, da informação e, iniciada no século XX e
estendendo-se até agora, do conhecimento. Atualmente, começa a emergir uma
outra era, a que Pink chamou "era conceptual", na qual se valorizam
os trabalhadores que consigam ser mais criativos e com maior inteligência emocional.
A escola de hoje, explica também António Dias de Figueiredo, inspirou-se
no cartesianismo, que privilegia tudo o que é racional, deixando de fora aquilo
que é emocional. Esta visão racionalista do ensino desenvolve as competências
racionais da criança e evita os aspectos emocionais, artísticos e as visões
humanistas do mundo: "A escola do ponto de vista da preparação para a
razão faz um bom trabalho, mas tem visto a criança como metade daquilo que ela
é. O que a escola não está a conseguir encontrar é um equilíbrio entre a razão
e a arte. Não está a desenvolver as competências criativas."
Para António Dias de Figueiredo, estamos a construir o século XXI com
visões sobre a educação que são do século XIX: "Vivemos na era industrial
porque temos uma visão neoliberal da educação. Achamos que a educação é melhor
se for uniformizada, o que é uma contradição com o mundo em que vivemos, em que
só aqueles que se diferenciam é que arranjam emprego."
Num artigo escrito em 2009, intitulado Inovar em Educação,
Educar para a Inovação, António Dias de Figueiredo defendeu que as escolas
têm de preparar os cidadãos para "um mundo globalizado, complexo, de
mudança, centrado no conhecimento, onde todos competem com todos, sem
fronteiras, e onde a capacidade de cada um para criar valor, com empenho e
inovação, passou a ser fator crítico, não apenas de sucesso, mas de
sobrevivência".
Passados 28 anos sobre o primeiro projeto nacional para as TIC no ensino
não-superior, António Dias de Figueiredo considera que evoluímos muito pouco na
transformação das escolas em espaços de inovação e criatividade. Os alunos,
afirma, "estão a ser produzidos industrialmente e a transformar-se em
funcionários. Não têm autonomia".
O professor mostra uma imagem que ilustra esta convicção. A figura está
dividida em duas partes. No topo, a frase "What today"s world
needs" ("Aquilo de que o mundo de hoje precisa"). Depois, a
figura correspondente: bonecos de todas as cores, organizados em grupos com
diferentes dimensões e formas. Por baixo, uma outra frase: "What the
school systems are producing" ("Aquilo que os sistemas escolares
estão a produzir") e três filas de bonecos cinzentos, como se estivessem
dispostos em linhas de montagem, sem nada que os distinga entre eles.
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